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"Leishmaniose - calazar: o cão não é culpado", por Fernanda Leite

O controle deve ser dirigido no combate ao mosquito e não ao extermínio de cães


Foto: Arquivo Pessoal

A falta de conhecimento sobre a leishmaniose ainda é muito grande no Brasil, há quem acredite que ela é transmitida pelo contato com animais e que não há tratamento, sendo a eutanásia o único caminho para não colocar a família e outros animais em risco. 

Leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, é uma doença infecciosa e zoonótica causada pelo protozoário Leishmania infantum que acomete muitos mamíferos entre eles o homem, o cão , o gato e algumas espécies silvestres. É uma doença vetorial, ou seja, precisa do vetor, o mosquito-palha (Lutzomyia longipalpis) para ocorrer a infecção. O contágio ocorre durante a picada do inseto. Outras formas de transmissão podem acontecer como a sexual, a transplantaria, transfusão sanguínea e acidentes laboratoriais.   

Segundo o médico veterinário e especialista em doenças infectosas, Ricardo Henz, calazar não tem uma cura definitiva, mas pode ser tratado durante toda a vida do cão para aumentar sua longevidade. 

“É possível tratamento em todas as fases, contudo, adequando a condição e expectativa do estágio da doença em cada paciente.   A eutanásia deve ser considerada pelo médico veterinário de acordo com cada caso.   Particularmente, prefiro lutar pela vida a insistir com a morte” – completa.

Como identificar os sintomas?

Paulo Tabanez, médico veterinário e membro fundador do Brasileish – grupo de estudos sobre leishmaniose animal, afirma que cerca de 70% dos cães infectados não apresentam sinais clínicos (assintomáticos) enquanto que 30% podem apresentar sinais variados.   

“Por esta razão  o médico veterinário precisa estar preparado para conhecer e reconhecer a doença, preferencialmente de forma precoce, para minimizar ou deter  a evolução. Os animais podem apresentar perda de peso, fragilidade e aumento das unhas (onicogrifose), alterações dermatológicas (descamação, feridas, crostas, entre outras), alterações oculares, aumento de baço e linfonodos, insuficiência renal, hepatite, anemia , sangramento nasal, dor articular e dificuldade para se locomover, alterações neurológicas entre outras” – destaca Paulo.

Prevenção e tratamento 

A prevenção deve ser feita com repelentes (que incluem algumas coleiras) / inseticidas à base de piretroide existentes no mercado pet.  Evitar passeios nos horários de repasto sanguíneo (crepuscular) e manejo ambiental também é importante no intuito de acabar com a reprodução do flebotomíneo.  O uso de vacina contra leishmaniose também é um instrumento importante.
No Brasil, a única medicação aceita para o tratamento  em cães é o milteforan.  
“Mas não faz do milteforan a única opção terapêutica.  Dependendo dos estágios da doença, pode ser associada a adjuvantes como drogas leishmaniostaticas (alopurinol) e imunomoduladores (leishtec em doses duplas, domepridona entre outros)” – explica Paulo Tabanez. 
Para Ricardo Henz  é importante ressaltar  que não  se alcança cura parasitológica (definitiva) com estas drogas ou qualquer outra terapia.  Por isso, é importante o acompanhamento adequado do paciente para prever possíveis recaídas.   Lembrando que cada paciente reage de uma forma e que o fator individual é muito importante.  
Histórias de tratamento 
A funcionária pública Fernanda Peixoto resgatou em São Paulo uma cadela SRD - Sem Raça Definida e deu nome Pagu. Quando se mudou para Londres em  2019, descobriu o calazar no animal, que apresentava vômito, diarreia, sangue nas fezes, descamação da pele, tremedeiras e incontinência urinária.
Fernanda passou em três veterinários ao longo de quatro meses. O terceiro profissional que atendeu Pagu, sabendo da origem brasileira dela, desconfiou da doença e resolveu testá-la, e o resultado deu positivo em março de 2021. 
Enquanto esperava o resultado, começou pesquisar sobre a doença, foi quando descobriu um grupo de Facebook (Living with Leish) de apoio a tutores de cães leish+. 
“Quando voltamos ao Brasil, em novembro de 2021, procuramos um especialista na doença, Dr. Fábio Nogueira e mais na frente Dr. Márcio Moreira, garantindo assim um tratamento e qualidade de vida adequado  a Pagu. Desde o diagnóstico, nós conseguimos dar à Pagu mais dois anos de vida,  devido falência dos rins, ela faleceu  em abril de 2023. Ela escolheu a hora de nos deixar” – lembra.
Segundo a funcionária pública, enquanto pesquisava sobre o tratamento, começou a perceber nos grupos brasileiros que não havia informação confiável sobre a doença. Ouvia e lia histórias de veterinários que ainda preconizavam a eutanásia, que tinham medo de tocar em animais leish, como se a doença fosse contagiosa. Era um cenário de muita desinformação, e ficou assustada com aquilo. Então se inspirou no grupo "living with leish" para criar no facebook um grupo brasileiro de apoio a tutores de cães leish+, o grupo "Amor Leish". 
“Desde então o grupo cresceu. Hoje temos cerca de 1700 membros que vão à nossa página para se municiar de informações e assim terem condições de discutir com seus vets, com um mínimo de informação, sobre os passos a serem seguidos para diagnosticar, estadiar e tratar a doença” – conta.
A biomédica Jessica Santucci tornou-se defensora da Leishmaniose após adotar Mel, uma Pug que era matriz de canil e foi diagnosticada um ano após sua adoção. 
A cadela  apresentava anemia, unhas compridas, feridas no queixo e nas patas que eram difíceis de curar. Passou por cinco veterinários até que uma suspeitou e pediu os exames. Após a confirmação, precisou buscar por outro profissional que aceitasse fazer o tratamento, pois a que diagnosticou já sinalizou que não faria o tratamento. Mel foi tratada com milteforan e manutenção com o alopurinol, obtendo uma melhora  de 99%.
Para a biomédica a Leishmaniose é uma zoonose negligenciada no Brasil. Além da dificuldade em ter um diagnóstico, sentiu um grande preconceito por parte de alguns veterinários que  orientaram a realizar a eutanásia por ser uma zoonose e o custo do tratamento ser elevado.
Minha experiência com o tratamento
Em 2014 resgatei um cão da raça dachshund de sete anos. Ele tinha todos os sintomas do calazar que foi confirmado através de exames. Dei o nome de Tripinha, e comecei a pesquisar minuciosamente  a enfermidade. Tripa foi tratado com o Dr. Ricardo Henz. Com cuidados adequados, ele viveu oito anos comigo, vindo a falecer em março de 2022, pela idade avançada.

 

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